Agricultora de 28 anos cria rede de apoio psicológico para produtores rurais em SC: ‘Quase entrei em burnout’


Thais Neres Krindges, 28 anos, conta que isolamento geográfico, dificuldade de conseguir atendimento médico e questões climáticas influenciam o cotidiano dos trabalhadores. Thais Neres Krindges criou projeto focado em saúde mental para agricultores
Arquivo pessoal
Uma agricultora de Concórdia, no Oeste de Santa Catarina, criou uma iniciativa com foco na saúde mental em comunidades rurais após passar por depressão trabalhando no campo e perceber que não era a única, entre os trabalhadores rurais, a sofrer com dores emocionais.
“Vi que eu comecei a ficar muito nervosa, muito ansiosa, eu chorava demais e não tinha mais vontade de levantar da cama. Quase entrei em burnout”, afirma Thais Neres Krindges, de 28 anos.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
Com um projeto que busca o bem-estar no meio rural ao aproximar os agricultores, por meio de conversas, a profissionais da saúde mental, a jovem foi destaque na 5ª edição do Programa CNA Jovem, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, em Brasília (leia mais abaixo).
Ela cita o isolamento geográfico, a dificuldade de conseguir atendimento médico, a falta de um salário fixo e questões climáticas como fatores que pesaram para ela e que influenciam outros agricultores.
“A gente não tem atendimento de qualidade [no campo]. Se a pessoa está com um caso de depressão, já é um tabu para um agricultor, imagina [ter que sair do campo para] procurar uma ajuda na cidade”, comenta.
O estado catarinense tem cerca de 1 milhão de pessoas vivendo em áreas rurais, segundo o Observatório Agro Catarinense, do governo estadual.
Conforme o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (Fetaesc), José Walter Dresch, há muitos casos de transtornos mentais no campo, sobretudo depressão e casos de suicídio. Ele lamenta, no entanto, a falta de dados oficiais sobre eles.
Ao g1, o Ministério da Saúde informou que não tem dados de ocorrências especificamente na zona rural. Um relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022, no entanto, apontou que essa população, em geral, tem mais dificuldades de acesso a tratamentos e recursos para cuidar da saúde mental em relação a moradores das cidades.
Agrofloresta cultivada às margens de rodovia inspira camponesa a ingressar na UFSC
Além das expectativas: Batata-doce de quase 10 kg é colhida em SC e surpreende agricultores
Saúde mental no campo
Para a psiquiatra Bianca Schwab, membro da diretoria da Associação Catarinense de Psiquiatria (ACP), trabalhadores rurais enfrentam uma série de desafios únicos que podem contribuir para o desenvolvimento desses transtornos, como:
Isolamento social e menos oportunidades de interações sociais;
Estresse econômico. Segundo Schwab, muitos enfrentam instabilidade dos rendimentos, que podem variar com o clima, mudanças no mercado e políticas agrícolas;
Condições de trabalho frequentemente precárias;
Dificuldade de acesso a serviços de saúde;
Exposição a pesticidas, fator de risco para depressão e outros transtornos mentais.
Espaços de diálogo e troca de experiências, como os encontros promovidos por Thais, ajudam a reduzir o isolamento social e promovem um senso de comunidade e apoio mútuo, segundo a psiquiatra.
“Além disso, a presença de especialistas da saúde oferece acesso a informações essenciais que podem prevenir doenças e melhorar o bem-estar geral dos participantes”, afirma.
Presidente da Fetaesc, Dresch acredita que os casos no campo ocorrem, sobretudo, por falta de políticas públicas nessas regiões, normalmente mais isoladas dos grandes centros urbanos.
“Na área urbana, as pessoas têm mais facilidade de chegar a uma um local de atendimento. No campo falta internet, sinal de celular, estrada, pontes, áreas de lazer. Falta atendimento médico, psicológico, psiquiátrico, porque lá as pessoas estão muito distantes de tudo”, manifesta.
Thais, que se mudou da área urbana de Ipira, na mesma região, para a zona rural de Concórdia, onde passou a viver aos 20 anos com o namorado e a tocar ao lado dele a propriedade que ele já tinha, sentiu a diferença.
“Eu sou muito grata pelo lugar em que eu moro, mas é totalmente diferente a vida. E ainda tive um problema de saúde”, relata.
Ao precisar sair do campo para buscar ajuda médica e contar com apoio de uma psicóloga para enfrentar o processo, percebeu a importância de expandir o acesso deste atendimento a outras pessoas como ela.
Thais Neres Krindges é agricultora em Concórdia
Arquivo pessoal
Iniciativa
Thais conta que o projeto começou após ela perceber, em conversas com agricultores, que muitos deles enfrentavam estresse, ansiedade e depressão, mas poucos tinham compreensão adequada sobre os sintomas.
Quando entrou para o CNA Jovem, teve a oportunidade de desenvolver um projeto para atender a demanda dos agricultores. A primeira edição do projeto ocorreu em outubro de 2023.
Além de levar informação, os encontros buscam “promover mudanças reais, construindo uma rede de apoio e compreensão”. O último, em abril, por exemplo, também abordou a importância da realização dos exames de tuberculose e brucelose nos animais das propriedades, com profissionais da área (foto abaixo).
A terceira reunião deve ocorrer neste mês, mas depende de patrocínios.
Thais apresentou o projeto na 5ª edição do Programa CNA Jovem, em Brasília, e ficou entre os três homenageados por iniciativas com base na complexidade do desafio, resultados esperados e alcançados, capacidade de replicação e alinhamento com o método do programa.
Encontro da iniciativa “Cultivando o Bem-estar no Meio Rural” em abril
Arquivo pessoal
Vida no campo
Thais começou a carreira trabalhando em um frigorífico. Ela gostava do que fazia, mas saiu após passar por discriminações por ser mulher. Depois, trabalhou como operadora de máquina em uma fábrica de móveis, mas deixou a função por questões de saúde.
Morando na propriedade com o marido, e sem um trabalho fixo, ela decidiu investir na produção de jabuticabas, mesmo sem ver muito potencial naquela terra, e também ainda sem muito conhecimento de precificação.
“Olhei e, de repente, tinha vendido 300 quilos de jabuticaba. Ah, fiquei muito feliz. […] Hoje entendo mais de precificação. Mas foi tão legal, porque eu comecei ver várias oportunidades na propriedade”, conta.
Thais Neres Krindges foi destaque na 5ª edição do Programa CNA Jovem em Brasília
Arquivo pessoal
Hoje ela também produz leite, batata-doce, açúcar mascavo e outros alimentos, e sonha em ter a própria indústria familiar. “Tem muita gente que diz que o agricultor, o produtor rural, não tem chefe. O nosso chefe é o clima”, afirma.
“É puxado, tem dias que a gente não tem tempo para nada. Mas tem dias que a gente pega e vai pescar, vai ter qualidade de vida, porque eu prezo muito isso hoje, depois de ter passado a minha depressão”.
A jovem também teve a oportunidade de fazer cursos voltados ao empreendedorismo a à administração, além de um curso técnico em agronegócio pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias
Adicionar aos favoritos o Link permanente.