
Terapia com bonecas é uma técnica não farmacológica relativamente nova e tem apresentado resultados significativos com pacientes agressivos, apáticos ou agitados. Semelhança das bebês reborn com crianças reais facilita a conexão e interação do idoso durante a terapia. Filha relata que bebê reborn trouxe calma e acolhimento para mãe de 84 anos com Alzheimer
Os primeiros sinais do Alzheimer em Maria Alice começaram em 2018. Eram pequenos esquecimentos e perdas de memória. Para entender os desafios que a mãe enfrentava e ajudar no tratamento da doença, a economista sergipana Rai Lima, buscou um curso de especialização em gerontologia.
Depois de muitas pesquisas, a filha, moradora de Curitiba, no Paraná, encontrou na terapia com boneca uma forma de aliviar os sintomas do avanço da doença de Alzheimer na mãe, de 84 anos, que mora em Aracaju, no Sergipe.
“Ela interage pouco hoje, mas quando está com a boneca no colo, segura forte, não quer largar. Se tentam tirar, ela resiste, diz ‘não’ ou segura com o braço. Isso é acolhimento. É como se estivesse abraçando a mim ou ao meu irmão ou aos netos dela”, explica Rai.
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A bebê reborn comprada pela filha se tornou um instrumento de vínculo da mãe com a própria identidade, de resgate emocional e de presença. De acordo Rai, a terapia com bonecas ajuda a acalmar a mãe, além de trazer acolhimento e a sensação de estar sendo útil.
“Se minha mãe está agitada, atrofiando as mãos, peço que vejam se ela precisa de algo: água, fralda… Mas, muitas vezes, só o toque da boneca a acalma. Quando colocam a boneca no colo dela, ela relaxa. Se tentam tirar, ela segura forte ou até reclama. É o jeito dela se expressar, de dizer que aquilo faz bem”, diz.
Cuidado e afeto
Maria Alice com sua boneca
Arquivo Pessoal
Rai Lima explica que decidiu ir atrás de uma boneca quando a mãe já estava em um grau moderado da doença e não caminhava mais sozinha. A fabricação da bebê reborn foi encomendada e seus traços foram escolhidos cuidadosamente por Rai, para que se parecesse com a própria Maria Alice quando criança.
“Escolhi os olhos claros, o narizinho… tudo para parecer com ela”, relembra. Em uma escolha pensada com carinho, a boneca foi batizada com o mesmo nome da mãe: Alice.
Filha explica por que escolheu bebê reborn que se parece com a mãe quando era pequena
As bonecas reborn são feitas com detalhes realistas como pele, veias, peso e cabelo. Segundo o médico geriatra Luiz Antônio Sá, a terapia com bonecas não precisa, obrigatoriamente, usar uma bebê reborn. Mas a escolha precisa ser feita tomando alguns cuidados.
“Essa boneca tem que ter uma certa interação. Porque se for uma boneca que não abre os olhos, que não tem um mínimo de interação, não vai cativar o paciente. Então, nesse caso, o bebê reborn cumpre muito bem o seu papel” afirma Sá.
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Terapia com Bonecas
Bonecas oferecem cuidado e conforto no tratamento de pessoas com demência.
Arquivo pessoal
Segundo o geriatra Luiz Antônio Sá, a terapia com bonecas é uma técnica não farmacológica relativamente nova que pode auxiliar no tratamento de pessoas que convivem com demência. E que a terapia alternativa não substitui os tratamentos tradicionais e o acompanhamento médico especializado.
Ele explica que, para trazer benefícios, a terapia deve ser introduzida em pacientes na fase intermediária da demência. De acordo com o médico, estudos indicam que a terapia mostrou resultados significativos em pacientes agressivos, apáticos e agitados.
“Um estudo inglês mostra que houve uma diminuição: antes das bonecas, 92% dos pacientes tomavam antipsicotrópicos. Com o uso das bonecas, caiu para 28%. Então, realmente, é um dado importante que a gente deve levar em consideração”, afirma o médico.
Segundo o médico, a terapia apresentou resultados tanto para homens quanto para mulheres. Mas não é um tratamento que possa ser adotado para todos os idosos, pois é necessário entender se, no passado, o idoso gostava ou não de crianças.
No caso de Maria Alice, a adaptação ao tratamento não foi um problema, como explica a filha.
“Nem todo mundo gosta dessa terapia. Por exemplo, se eu tenho uma pessoa que nunca gostou de criança, não ofereça. A minha mãe sempre foi uma mãezona, aquela que balançava a gente, acariciava. Para ela é um suporte emocional muito bom”, conta Rai.
Luiz Antônio Sá destaca também outros cuidados básicos, como não entregar a boneca em uma caixa embrulhada, como um presente, mas introduzi-la na rotina de forma gradual.
Rai também aponta a importância de não confundir a terapia com o ato de ‘brincar de boneca’.
“Não podemos infantilizar o idoso. Isso é desrespeitoso. O idoso não volta a ser criança. Ele apenas está vivendo outra etapa da vida, com outras necessidades. O idoso tem história, tem trajetória”, ressalta a filha.
Conforto e dignidade
Maria Alice e sua boneca bebê reborn
Arquivo pessoal
Mesmo à distância, Rai cuida da mãe, orientando as cuidadoras e buscando formas de levar qualidade de vida a ela por meio de cuidados paliativos.
Segundo o Ministério da Saúde, estes cuidados são prestado a pessoas com doenças graves, progressivas ou que ameaçam a continuidade da vida. Os tratamentos têm foco no alívio da dor, no controle de sintomas e no apoio emocional.
Rai destaca que os cuidados paliativos não devem ser aplicados apenas a quem está morrendo. Para ela, eles representam uma forma de garantir qualidade de vida oferecendo terapia, acolhimento, respeito e preservando a dignidade da pessoa.
“Não é porque a pessoa está perto do fim que não podemos proporcionar uma vida mais confortável e digna. É isso que eu aprendi e quero compartilhar”, ela conclui.
*Com colaboração de Maria Pohler, assistente de produtos digitais do g1 Paraná, com supervisão de Mariah Colombo e Douglas Maia.
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