Ex-merendeira conquista doutorado numa das maiores universidades do país: ‘Venci’


Luana Coutinho, de 48 anos, conquistou o título de doutora em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também professora concursada, a doutora pretende se dedicar ao ensino de ciências em Roraima. Ex-merendeira conquista doutorado numa das maiores universidades do país
De merendeira a mestre, depois professora. Agora, doutora. Essa é a história de Luana Coutinho, de 48 anos, que encarou a rotina pesada entre trabalho e estudos, e conquistou o título de doutora em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Após mais de uma década conciliando as panelas com os livros, ela agora se dedica à sala de aula como professora de química concursada da rede estadual de Roraima — e se tornou exemplo de perseverança para quem sonha alto, mesmo diante das dificuldades.
“Saí de um concurso com vagas para alfabetizados e cheguei ao doutorado. É aquela sensação de ‘ufa, consegui’. Foram muitos anos. Eu consegui vencer”, celebra a, hoje doutora, Luana Coutinho.
Com o tema que estuda educação e maneiras de ensinar ciência nas escolas, Luana defendeu a tese no dia 17 de março e logo recebeu o título de doutora pelo programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência- PPGEdC da Faculdade de Ciência da Unesp, uma universidade pública e gratuita que está entre as maiores e melhores do país e da América Latina. (Veja o vídeo acima).
Luana Coutinho recebe o título de doutora após defender a tese
Arquivo Pessoal/Luana Coutinho
A história de Luana inspira os roraimenses desde 2016. Em julho, o g1 conversou com a ex-merendeira quando ela concluiu o mestrado pela Universidade Estadual de Roraima (UERR) e, em seguida, em setembro, quando foi aprovada em um seletivo temporário para professora na mesma instituição.
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Agora, com o mais alto título acadêmico, Luana quer se dedicar à sala de aula, onde pode inspirar novos sonhadores, assim como ela.
“A questão financeira mudou, mas muito mais importante foi o meu crescimento como pessoa, como professora, como cidadã. Me sinto muito mais preparada pra fazer meu papel, ensinar meus estudantes a olharem além do senso comum, se tornarem críticos e fazerem a diferença na sociedade. Mesmo com todas as dificuldades e o cansaço, é gratificante poder ouvir: professora, eu entendi!”, destacou Luana.
👩‍🎓 Da cantina ao doutorado
Luana Coutinho na entrada da Unesp, instituição em que recebeu o título de doutora
Arquivo Pessoal/Luana Coutinho
Luana iniciou a carreira como merendeira após ser aprovada em concurso público em 2004. Em 2009, foi aprovada no vestibular para o curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual de Roraima (UERR). Foi onde começou toda a trajetória da doutora, sempre em intuições públicas de pesquisa.
Mesmo com a rotina puxada de trabalho na cantina de uma escola no município de Alto Alegre, Norte de Roraima, concluiu a graduação em quatro anos e, em 2014, iniciou o mestrado na mesma instituição, na área de Ensino de Ciências.
Após concluir o mestrado, em 2016, Luana foi aprovada em um processo seletivo para professora substituta na UERR. Com isso, pediu licença do cargo de merendeira e passou a dar aulas no ensino superior. Nos anos seguintes, conciliou contratos temporários como professora com a merenda escolar, sempre mantendo o vínculo com o cargo original.
Foi só em 2021 que dois marcos transformaram sua vida: ela foi aprovada no concurso da Secretaria de Educação do Estado e, no mesmo período, também passou no doutorado da Unesp. O tema escolhido foi “Instrumentos dialéticos para a formação de conceitos científicos: uma análise histórico-critica do Documento Curricular do estado de Roraima”.
A conquista, no entanto, veio após cinco tentativas frustradas em outras instituições incluindo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
“Insisti, aperfeiçoei o projeto a cada tentativa. Passei só na sexta tentativa, no final do ano. Por isso, digo: não desistam dos seus sonhos”, reforça.
Ela conta que precisou ainda trabalhar como merendeira no primeiro ano do doutorado, já que não havia sido convocada para o concurso em que foi aprovada. Luana continuou lavando louça, preparando refeições e cuidando das merendas nas escolas enquanto assistia aulas remotas na Unesp.
“Fiquei de julho a dezembro trabalhando e fazendo as disciplinas do doutorado, que eram online. Botava o fone no ouvido, celular no bolso e ia ouvindo aula enquanto lavava louça e preparava a comida. Era uma agonia, mas deu certo. O primeiro ano foi assim”, relembrou Luana.
Luana foi chamada para assumir o concurso em 2023, quando já era doutoranda. Momento em que pediu novamente vacância como merendeira e precisou conciliar a tese com as aulas de química para alunos do ensino médio.
📚 Dificuldades e superação
Luana Coutinho no campus da Unesp
Arquivo Pessoal/Luana Coutinho
Durante o período de estudos, Luana também enfrentou um problema de saúde. Diagnosticada com artrite reumatoide, passou mais de um ano afastada do trabalho como professora, mas não interrompeu o doutorado. Pelo contrário, aproveitou o período para escrever a tese e concluir o curso no tempo previsto: três anos.
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“Foi a fase mais difícil da minha vida [o diagnóstico], mas hoje estou bem, estou vivendo. E consegui realizar o sonho”, conta.
Ela é casada e mãe de dois filhos, que também seguiram na carreira acadêmica: um é o engenheiro eletricista Tallon Almeida, de 28 anos, e a designer gráfica, Lyara Oliveira, de 21. Luana faz questão de dizer que o apoio da família foi fundamental em toda a trajetória.
“Meus filhos sempre foram minha inspiração. Dedico essa vitória a eles, ao meu esposo e a todos que acreditaram em mim.”
Agora, como professora efetiva da rede estadual e ela segue licenciada no cargo de merendeira, que pode ser mantido por até três anos. Mas a missão agora é outra: inspirar alunos com a própria história e mostrar que é possível chegar onde se sonha.
“Traça um objetivo, segue o caminho, enfrenta as dificuldades… mas vai! Cada tentativa me ensinou algo até eu conseguir. Hoje eu digo com orgulho: eu sou doutora.”
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