Escritório contábil suspeito de usar laudos médicos falsos para obter restituições do IR é alvo de operação, diz PF


Clientes chegaram a receber R$ 26 milhões em restituições a partir de documentos falsos, segundo a Polícia Federal. Investigação aponta que assinaturas de médicos teriam sido fraudadas. Documentos apontavam que os clientes estavam com doenças que eles não tinham, como câncer. Polícia Federal e Receita Federal fazem operação contra técnico contábil suspeito de usar laudos médicos falsos para obter isenção do IRPF para clientes
Polícia Federal/Divulgação
Um escritório de contabilidade em Porto Alegre e um técnico contábil foram alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal nesta quarta-feira (17) contra fraudes na declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).
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Eles são suspeitos de usar laudos médicos falsos para garantir restituições que somam R$ 26 milhões – os documentos apontavam que os clientes estavam com doenças que eles não tinham, como câncer. Os crimes são contra a ordem tributária, uso de documento falso e falsa identidade. O esquema foi revelado pela RBS TV em reportagem de abril. Assista abaixo.
A PF não divulgou o nome do escritório e do técnico, mas o g1 confirmou que se trata de Carlos Roberto da Rosa Júnior, da CR Consultoria Tributária. Os advogados de defesa disseram, em nota, que devem se manifestar sobre o caso “somente depois que obtiver acesso integral aos autos da investigação” (leia a íntegra da nota abaixo).
Laudos médicos falsos seriam usados para garantir restituição do Imposto de Renda no RS
Conforme a Receita Federal, entre 2018 e 2023, o escritório teria feito 1.238 declarações pedindo isenções que somaram R$ 166 milhões. A investigação da PF aponta que 287 contribuintes receberam de volta, indevidamente, cerca de R$ 26 milhões. Desse total, análise da Receita Federal identificou 557 declarações como suspeitas e já exigiu que 193 declarantes devolvam o dinheiro que receberam de forma ilegal – o valor chega a R$ 5,5 milhões.
Durante a operação da PF, houve a apreensão de pertences do técnico que devem ser usadas como prova no inquérito aberto para investigar o caso, segundo a polícia.
Golpe da isenção do imposto de renda
Como o esquema funcionava
De acordo com a investigação da PF, o técnico oferecia como serviço desde a declaração do IRPF com o pedido de isenção por doença até eventuais recursos administrativos caso houvesse contestações por parte da receita.
Para ter direito à isenção por problema de saúde, o contribuinte deve comprovar ser portador da doença a partir de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, estado ou município. Segundo a Receita, o técnico teria agido preenchendo as declarações dos últimos 5 anos e providenciado os laudos periciais, falsificando as assinaturas dos médicos.
O número de pessoas interessadas no serviço começou a aumentar depois que clientes divulgaram para conhecidos, amigos e familiares que receberam restituições.
Entre os envolvidos, há aqueles que estavam cientes das irregularidades e quem foi enganado. A PF trabalha para apontar quem deve ser responsabilizado por crime contra a ordem tributária e falsidade documental.
Como funcionava esquema de fraude no IRPF com laudos médicos falsos, segundo a Receita Federal
Receita Federal/Divulgação
Como ele foi descoberto
Contribuintes procuraram a PF depois de serem notificados pela Receita Federal de que os laudos médicos apresentados para obter a isenção de imposto de renda eram falsos. Eles alegavam terem contratado o mesmo serviço de consultoria tributária, onde atuava o mesmo técnico contábil (leia, abaixo, histórias de clientes).
A maior parte dos laudos teria sido supostamente emitida pelo Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Junta da Polícia Militar. No entanto, as duas instituições afirmaram que os laudos eram falsos. Os médicos que constavam como assinantes também declararam que suas assinaturas foram falsificadas.
Uma investigação interna da UFRGS apontou fraudes em 180 documentos emitidos por um órgão ligado à instituição.
“São falsificações de certo modo grosseiras. Alguns médicos que pretensamente assinaram esses laudos deram declarações pra nós aqui, inclusive, dizendo que não foram eles os responsáveis”, afirma o corregedor da UFRGS, Claudio Moacir Marques Corrêa.
Vítimas do esquema
Capão da Canoa
Um militar de Capão da Canoa, no Litoral Norte, relata que recebeu quase R$ 80 mil retroativos de outros anos. Meses depois, ele recebeu uma notificação da Receita contestando a documentação apresentada.
O órgão identificou nos papéis um laudo falso de doenças que o militar nunca teve: uma infecção nos gânglios linfáticos e câncer de mama, diagnóstico raro entre os homens. Na verdade, ele é paciente cardíaco e tem uma doença crônica no intestino.
“Os recursos, com certeza, vou ter que devolver. Eu não tenho dinheiro. A princípio, vou ter que fazer empréstimo bancário. O dinheiro que eu recebi, eu apliquei na minha casa, fiz uma reforma na minha casa”, diz o militar aposentado, que prefere não ser identificado.
Aposentado que diz ter sofrido golpe de técnico em contabilidade
Reprodução/RBS TV
Passo Fundo
Um aposentado, em Passo Fundo, no Norte do RS, também contratou o escritório, buscando obter R$ 93 mil retroativos aos últimos cinco anos de Imposto de Renda. O militar, que também não quer ser identificado, disse que pagou R$ 24 mil em honorários ao técnico em contabilidade.
O aposentado sofre de diabetes e hipertensão crônica, doenças que não dão direito à isenção do IR, mas, no laudo, aparecia como se tivesse câncer.
“O atestado foi colocado que eu tinha um câncer. Não tenho, nunca tive”, fala.
Depois de receber R$ 70 mil da Receita Federal, o militar foi notificado a devolver o dinheiro, porque o laudo emitido em nome do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), ligado à UFRGS, era falso. O militar já quitou parte dos valores, referente a três anos de imposto devolvido.
“Eu tive que vender meu carro”, conta.
Nota da defesa
“A defesa técnica constituída pelo Sr. Carlos Roberto da Rosa Júnior informa que se manifestará somente depois que obtiver acesso integral aos autos da investigação, uma vez que até o presente momento não obteve qualquer tipo de acesso ao inquérito policial, desconhecendo qualquer acusação em relação ao seu constituinte.
Ainda, informa que o Sr. Carlos está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e contribuir com a investigação realizada.
Porto Alegre, 17 de julho de 2024.
Lana Puntel (OAB/RS 124.884) e Gabriel Mior (OAB/RS 111.870)”
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