MPRJ investiga adoção irregular de bebê mediada por defensora pública


A promotoria denunciou à Justiça o casal adotivo e o Estado do Rio de Janeiro pela ação ilegal. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro negou qualquer conduta ilegal. Uma defensora é apontada pelo Ministério Público (MPRJ) como a responsável pela entrega irregular de uma menina recém-nascida a um casal dentro do prédio da Defensoria Pública, depois de convencer a mãe da criança a desistir da entrega voluntária para adoção.
A promotoria denunciou à Justiça o casal adotivo e o Estado do Rio de Janeiro pela ação ilegal. O MPRJ defende que o poder estadual seja responsabilizado pelo ato doloso praticado pela defensora. A Defensoria Pública nega que a defensora teve conduta ilegal no caso (leia nota da instituição na íntegra no fim da reportagem).
Raphaela Jahara trabalha na cidade de Macaé, no Norte do estado. O Governo do Rio de Janeiro disse que ainda não foi intimado.
O Ministério Público afirma que a entrega ilegal do bebê furou uma fila de mais de 31 mil pessoas habilitadas para adoção no país. Apenas em Macaé, são 68 pessoas aguardando. A espera pode passar de 3 anos.
Na denúncia à Justiça, os promotores pedem indenização ao estado e ao casal, que recebeu a criança por danos morais coletivos.
O casal não foi identificado pela reportagem para preservar o menor envolvido.
Estatuto da Criança e Adolescente
MPRJ investiga adoção irregular de bebê mediada por defensora pública
Reprodução/ TV Globo
De acordo com o MPRJ, o acordo irregular desrespeitou o Estatuto da Criança e do Adolescente e prejudicou pessoas habilitadas no Cadastro Nacional de Adoção.
A investigação afirma que o casal conhecia as regras e, mesmo assim, optou pela adoção ilegal da criança.
O esquema foi identificado pela Vara da Infância de Macaé, quando a família tentou formalizar a adoção. O casal confirmou que sabia que o esquema burlava a regra e disse que recebeu as orientações dentro da Defensoria Pública, inclusive com indicação de advogada para o processo.
Os promotores descobriram que a defensora pública Raphaela Jahara participou da audiência judicial em que a mãe biológica desistiu de entregar legalmente a filha para adoção. Na mesma data, ela intermediou a entrega ilegal da criança ao casal na sede da Defensoria Pública de Macaé.
O Ministério Público afirma que a defensora ainda orientou a entrar com a ação de guarda após 6 meses da entrega, para criar vínculo com a criança.
Áudios
MPRJ investiga adoção irregular de bebê mediada por defensora pública
Reprodução/ TV Globo
O MPRJ teve acesso a áudios que comprovam a negociação. São orientações da defensora para o casal que recebeu o bebê. A transcrição das mensagens faz parte da denúncia. Em uma delas, ela reconhece que não é uma adoção oficial.
“É importante as mães saberem que elas não vão fazer jus à licença maternidade nesse início, porque não é uma adoção oficial, tá? Eu estou te falando isso de forma, assim, extraoficial, mas é porque quem adota faz jus à licença maternidade, mas só após o ajuizamento da ação. Como elas não estão adotando oficialmente, né, elas não vão ter direito à licença à maternidade nesse primeiro momento”, afirma um dos trechos.
Em outro áudio, ela pede sigilo.
“Isso que a gente está fazendo, é muito importante que elas não divulguem que elas foram na Defensoria e pegaram o bebê. Porque, assim, na verdade, isso não é o procedimento correto, o procedimento adequado, entendeu?”, explica Raphaela.
“Eu estava pensando uma outra coisa também, eu acho que para dar segurança às mães e para evitar confusão, eu posso ficar responsável por fazer essa intermediação”, disse a defensora.
Para o MPRJ, são provas concretas da atuação direta de Raphaela Jahara na entrega ilegal da criança.
Ainda de acordo com o Ministério Público, a então defensora pública titular da Infância e Juventude de Macaé, que deveria zelar pela observância das normas que regem o instituto da adoção, agiu de forma contrária aos deveres legais.
Associações
Associações de apoio alertam que adoção não se resolve com jeitinho.
O advogado Saulo Xavier amorim tem dois filhos adotivos e esperou por quase 10 anos na fila.
“Eu dei entrada no meu processo de adoção para duas crianças, um menino e uma menina, em 2013. E o meu primeiro filho chegou em 2017. Só que eu tive que esperar até 2023 para minha segunda filha chegar. Existe um rito, existe um processo, tudo estabelecido em lei, em respeito a estas infâncias”, disse Saulo.
Ele lembra que o caminho para adotar é buscar informação no lugar certo.
“Não existe adoção se não for através do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os canais seguros são os canais do Poder Judiciário. Então, busque a Vara de Infância mais próxima de sua casa. Busque o Tribunal de Justiça do seu estado. Entre no site do CNJ e busque também grupo de apoio à adoção”, finalizou Saulo.
O que diz a Defensoria
A defensoria inicialmente disse que estava apurando o caso internamente. Depois, emitiu a seguinte nota:
“A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro vêm a público repudiar veementemente as acusações contra a Defensora Pública Raphaela Jahara, que sempre teve atuação exemplar, especialmente na área de proteção à criança e ao adolescente. A tentativa de atribuir conduta ilegal à Defensora em processo de adoção ocorrido no município de Macaé é leviana e totalmente inverídica.
Sobre as alegações enganosas apresentadas pelo promotor do caso relativas à “intermediação de entrega de criança para adoção irregular”, cumpre destacar que o mesmo, que deveria garantir o devido processo legal, em momento algum ouviu a Defensora Pública acusada antes de propor ação, violando seu direito ao contraditório, e chegando a conclusões equivocadas.
Além disso, a Defensoria Pública somente soube da reportagem momentos antes de sua veiculação, não tendo acesso ao número do processo ou aos áudios citados.
Toda a população sabe do compromisso incondicional da Defensoria Pública de exigir que direitos de crianças sejam práticos e efetivos. E implementados com prioridade absoluta.
Convém dizer que desde 2022 a Defensoria, por intermédio da Coordenação de Infância e Juventude, integrada, à época, pela Dra. Raphaela Jahara, atua para que as adoções ocorram de forma segura e legal. Assim, oficiou a todos os hospitais e secretarias de saúde, para que dessem cumprimento à Lei Estadual nº 8.594, que INSTITUI O PROGRAMA DE ORIENTAÇÃO À ENTREGA VOLUNTÁRIA DE BEBÊS À ADOÇÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS (leia aqui).
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro ressaltam que adotarão as providências cabíveis, visando à apuração de responsabilidades”.
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