
Projeto é da Mestra em Ciência da Computação Letícia dos Santos. Robô TIAGo-135 é capaz de identificar objetos no chão, recolhê-los e colocá-los sobre uma mesa. Pesquisa da UFRGS cria robô para idosos com mobilidade reduzida
Por meio de uma lembrança afetiva da infância, a Mestra em Ciência da Computação Letícia dos Santos transformou em ciência um gesto de cuidado.
“A gente fazia uma bagunça, deixava os brinquedos espalhados pelo chão, e depois tinha que organizar. E meus pais falavam que uma das justificativas era porque minha avó tinha um problema de locomoção, de mobilidade”, recorda Letícia.
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Anos depois, essa memória afetiva se transformou em base para um projeto científico: o desenvolvimento de um sistema autônomo para um robô chamado TIAGo-135, capaz de identificar objetos no chão, recolhê-los e colocá-los sobre uma mesa – tudo isso sem qualquer intervenção humana.
A pesquisa foi realizada durante o mestrado de Letícia em um programa em conjunto entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Oslo, na Noruega.
Robô TIAGo-135
Imagens cedidas/ Letícia dos Santos
Público-alvo
A pesquisa nasceu de uma oportunidade: entre as áreas de trabalho oferecidas pela Universidade de Oslo, Letícia poderia atuar com o robô TIAGo-135 – uma plataforma desenvolvida por uma empresa europeia, usada em projetos de pesquisa científica.
A instituição mantinha parceria com um centro comunitário para idosos, o que direcionava o público-alvo da pesquisa. A ideia inicial era usar o robô em um ambiente doméstico, fora do contexto hospitalar, justamente onde mais se percebem as dificuldades cotidianas enfrentadas por pessoas com mobilidade reduzida.
Além de manter o ambiente limpo e organizado, a remoção de itens do chão pode prevenir quedas.
“O objeto no chão também pode ser um risco do idoso pisar em cima, perder o equilíbrio e cair, por exemplo”, explica.
Mestra em Ciência da Computação Letícia dos Santos e o robô TIAGo-135
Imagens cedidas/ Letícia dos Santos
Um robô que ‘se vira sozinho’
Diferente de outras abordagens científicas que se concentram em etapas específicas, como apenas a navegação ou apenas a manipulação de objetos, Letícia conta que projetou uma solução completa:
“A técnica que eu propus, ela é autônoma. Ou seja, você coloca o robô no ambiente e ele se vira para fazer a tarefa. Você não precisa adaptar o ambiente para o robô”, comenta.
Essa autonomia foi um dos principais diferenciais da pesquisa, segundo a Mestra. Nada de etiquetas ou bandejas coloridas como pontos de referência, o robô precisa entender o ambiente como ele é, sem ajustes prévios.
O TIAGo-135 é uma unidade robótica com base móvel e braço articulado com sete graus de liberdade, altura ajustável e capaz de agarrar e manipular objetos com uma carga útil de 2 kg.
O sistema desenvolvido por Letícia permite que o robô identifique o próprio posicionamento, localize copos espalhados e encontre a mesa mais próxima para organizá-los, sem depender de mapas ou instruções externas.
“O robô não precisa imitar o humano, ele só precisa resolver o problema”, resume.
Robô TIAGo-135
Imagens cedidas/ Letícia dos Santos
Precisão e segurança
Durante o período de um ano que passou na Noruega, Letícia testou sua proposta com o robô real em laboratório. O espaço de testes simulava um ambiente doméstico de cerca de cinco metros quadrados, com dois copos no chão e uma mesa.
“Tem várias coisas que tem que ser consideradas, principalmente no teste real. Acontece de o robô, por exemplo, derrubar o copo. Ele precisa ter uma precisão bem grande para conseguir pegar o objeto ali, porque questão de dois centímetros ele já pode fazer um movimento errado e não conseguir fazer a tarefa”, diz.
A pesquisa teve uma taxa de 93% de sucesso. Em um dos testes, o robô prendeu o braço por conta de um erro na detecção de obstáculos. Foi necessário então acionar o botão de emergência — um recurso comum em robôs de pesquisa, que desativa imediatamente todos os motores, como se o robô “desmaiasse”, para evitar danos ao equipamento.
“Se ele ficasse forçando o motor ali, ele podia estragar”, explica Letícia.
Robôs em rede
Atualmente morando em Porto Alegre, Letícia dá continuidade à sua trajetória acadêmica no doutorado em computação da UFRGS. O foco agora é em sistemas com múltiplos robôs coordenados entre si.
A ideia é estudar como diferentes robôs — com formatos, tamanhos e capacidades variadas — podem trabalhar em conjunto em tarefas como mapeamento, exploração de ambientes e cooperação em espaços domésticos ou industriais.
“O doutorado tem quatro anos e eu só estou no início, então a ideia ainda pode mudar um pouco. Mas, inicialmente, eu estou trabalhando com multi-robôs, que seriam vários robôs que eles podem se coordenar para fazer uma tarefa, para construir um mapa de um ambiente, para andar junto, para várias aplicações”, comenta.
Futuro acessível?
A pesquisadora reconhece que o custo atual dos robôs como o TIAGo ainda é alto. Segundo ela, trata-se de uma plataforma, voltada para a pesquisa e altamente customizável, com possibilidade de acoplar diversos sensores.
Apesar disso, ela acredita que a tendência é de que robôs domésticos se tornem mais acessíveis nos próximos anos, ainda que não saiba prever quando isso deve ocorrer.
“Não é minha área de pesquisa, eu sou mais interessada em entender como o robô funciona de fato, mas acredito que economicamente vai ficar mais viável no futuro”, aposta.
Orientadores do projeto do robô TIAGo-135:
Orientador: Prof. Dr. Renan Maffei
Co-orientador: Prof. Dr. Mariana Kolberg
Co-orientador: Prof. Dr. Jim Torresen
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