Remédio contra esclerose múltipla no SUS renova expectativa de pacientes na PB: ‘não tem mais preocupação e dificuldade’


Com a introdução do novo tratamento gratuito, pacientes na Paraíba ganham mais qualidade de vida e a possibilidade de um futuro com menos limitações. Rafaela Oliveira e Maria Isabel foram diagnosticadas com esclerose múltipla e estão em tratamento contra a doença
Montagem/g1
Pacientes com esclerose múltipla passaram a contar com um novo medicamento disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A doença, rara e sem cura, afeta o sistema nervoso central e compromete a qualidade de vida de cerca de 40 mil brasileiros. Com a incorporação do novo tratamento, pacientes na Paraíba, primeiro estado a receber a medicação, começam a sonhar com um futuro com menos limitações.
O medicamento Mavenclad começou a ser distribuído entre o fim do mês de fevereiro e o início de março. Assim como outros tratamentos para esclerose múltipla, ele possui um alto custo, e um único comprimido pode ser encontrado à venda por R$ 16 mil em sites de vendas na internet.
A Secretaria de Saúde da Paraíba (SES-PB) explicou que o estado foi o primeiro a receber o medicamento por contar com um Centro de Referência em Esclerose Múltipla vinculado ao governo estadual. No local, funciona um núcleo do Centro de Dispensação de Medicamentos Excepcionais (CEDMEX), responsável por fornecer todas as medicações para esclerose múltipla e outras doenças neuroimunológicas aos pacientes cadastrados no centro.
De acordo com a SES, 23 pacientes cadastrados já receberam o medicamento. Entre eles estão Rafaela Oliveira, de 35 anos, e a médica Maria Isabel Dantas, de 27 anos.
Após a mudança no tratamento, ambas expressaram grandes expectativas para o futuro. A nova medicação elimina a necessidade de injeções frequentes e visitas mensais ao hospital, proporcionando um alívio não apenas físico, mas também emocional.
“Todo mês era um sacrifício, era uma dificuldade de pegar acesso venoso. Agora, eu só vou tomar (a medicação) cinco dias deste mês; mês que vem, vou tomar mais 5 dias, e depois só ano que vem. Não tem mais essa preocupação, não tem uma dificuldade”, afirmou a médica Maria Isabel.
Diagnóstico nem sempre é fácil
A médica neurologista Bianca Oliveira explica que a esclerose múltipla é uma doença crônica, degenerativa e sem cura. Ela é uma lesão que atinge o sistema nervoso central, desencadeada pelo próprio sistema de defesa do corpo humano.
“Muitos acham que é doença de pessoa idosa. Mas não, é uma doença de jovens, acomete pessoas especificamente de 20 a 40 anos, principalmente. E é mais frequente no sexo feminino”, explica a neurologista.
Maria Isabel é médica e descobriu a doença após consultar diversos profissionais
Arquivo pessoal
Maria Isabel lembra que os primeiros sintomas da esclerose múltipla surgiram em outubro de 2019, após uma semana conturbada. Tudo começou com um formigamento nos pés e na panturrilha, seguido por choques no corpo, o que a deixou preocupada.
Na época, ainda estudante de medicina, ela sabia que algo não estava certo com seu próprio corpo. Buscou ajuda médica e passou por cerca de cinco profissionais, mas nenhum conseguiu identificar o problema. Muitos acreditavam que os sintomas eram apenas sinais de ansiedade.
“Eu me desesperei, aí fui para João Pessoa, procurei alguns outros médicos e eles também não sabiam fechar o diagnóstico. Eles olharam para mim e falaram assim: ‘Não, eu não sei o que é que você tem’. E é muito difícil você ser da área da saúde, você também entender que tem algum problema, mas não saber o que é”, afirmou Maria Isabel.
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Sem respostas, foi o irmão de Maria Isabel, também médico, que solicitou exames mais detalhados. Os resultados obtidos começaram a apontar para a suspeita de esclerose múltipla. Três meses depois, ela finalmente recebeu o diagnóstico que explicava o que vinha sentindo e começou o tratamento com corticoides para controlar o surto da doença.
Rafaela Oliveira descobriu a doença há 13 anos, após os primeiros sintomas surgirem durante uma viagem
Arquivo pessoal
Já Rafaela Oliveira começou a sentir os primeiros sintomas de esclerose múltipla em 2011, durante uma viagem internacional a Madrid, na Espanha. Com temperaturas de 40 graus, ela pensou que o mal-estar fosse resultado do calor intenso do verão europeu.
O primeiro sintoma que notou foi a fadiga. No entanto, ao retornar para sua casa, na Paraíba, os sintomas persistiram e até pioraram.
“Eu comecei a ter sensibilidade nas mãos, um pouquinho do equilíbrio começando a falhar, e eu não conseguia me levantar. Simplesmente, o meu organismo não respondia. Quando eu queria me levantar, o cérebro já não respondia a essa ação”, explicou Rafaela.
No ano seguinte, em 2012, os sinais da doença se intensificaram. Rafaela acordava paralisada, com visão dupla, embaçada, e com dificuldades para falar. Ela já não conseguia ficar em pé sozinha e precisava de apoio até para ir a uma consulta médica, na tentativa de descobrir o que estava acontecendo.
Segundo a médica Bianca Oliveira, a fadiga, semelhante à que Rafaela sentiu, é muito comum em pacientes com esclerose múltipla. Muitas vezes, outras pessoas não conseguem compreender o quanto esse sintoma pode ser incapacitante e limitante para o paciente. (Saiba mais sobre os sintomas abaixo)
“A fadiga é algo que é bem frequente, que é uma fadiga muito diferente da nossa. É como se o paciente tivesse corrido uma maratona sem nunca ter corrido e ele fica com aquele cansaço de uma corrida de maratona somente de se deslocar da cama pro banheiro dinheiro”, explica a médica Bianca Oliveira.
Após uma série de exames, Rafaela Oliveira teve o diagnóstico finalmente confirmado, e o processo para acesso ao tratamento foi iniciado. A espera durou cerca de um ano.
Rafaela e Maria Isabel fazem acompanhamento da doença no Centro de Referência de Esclerose Múltipla na Paraíba (CREM-PB), coordenado pela neurologista Bianca Oliveira. A unidade, localizada na Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad), atende cerca de 900 pacientes no total, incluindo aqueles que tratam doenças com sintomas semelhantes, sendo 560 deles diagnosticados com esclerose múltipla.
Sem cura, mas com tratamento
A médica Bianca Oliveira explica que já existem diferentes formas de tratar a esclerose múltipla. Alguns remédios são injetados sob a pele, outros no músculo ou direto na veia, além das opções em comprimidos. Muitos desses medicamentos são oferecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.
Segundo a neurologista, as medicações para o tratamento da esclerose múltipla são de alto custo e costumam não estar disponíveis em farmácias, sendo vendidas, geralmente, por distribuidoras. Por isso, costumam ser fornecidas pelo Ministério da Saúde.
Tanto Rafaela Oliveira quanto Maria Isabel realizaram anos de tratamento com remédios injetáveis e viveram com sintomas leves e poucos surtos da doença – ou nenhum. Antes da troca, por exemplo, Rafaela relatava apenas pequenas dormências e dores de cabeça ao acordar.
No entanto, as dificuldades para tomar a medicação eram as mais variadas e dolorosas.
Centro de Referência de Esclerose Múltipla na Paraíba (CREM-PB) fica localizado na Funad, em João Pessoa
Reprodução
Maria Isabel contou que morava em Patos, no Sertão da Paraíba, para fazer residência médica. Ela viajava até João Pessoa para receber o medicamento e realizar a aplicação em um hospital particular da capital. Durante esse período, perdia turnos de trabalho e sofria com os acessos venosos, que já eram doloridos após a aplicação mensal da medicação por mais de seis anos.
“Eu tinha que estar perdendo meu tempo indo para lá, e toda aquela parte psicológica que vinha… E meu Deus, por que é comigo? Por que eu tenho que vir todo mês? Eu trabalho para salvar as pessoas, mas estou vindo como paciente todo mês. E todo mês é um sacrifício, é uma dificuldade de pegar acesso”, relembrou Maria Isabel.
Já Rafaela Oliveira conta que, durante os 13 anos de tratamento, utilizou o mesmo medicamento, também injetável, que foi administrado dia sim, dia não. Apesar de sempre aplicar a injeção em lugares variados para evitar dores, ela não escapou dos nódulos doloridos nas pernas.
“Esses últimos anos é que ficaram ruins, porque começaram a criar nódulos nas minhas pernas, que é onde eu tomava mais (injeção). Agora, no final, eu estava começando a ter muita dor nos locais, porque sempre batia nos nódulos, aí era mais rígido e doía. Aí começou também a afundar a pele em alguns lugares. Então, na última consulta, a médica achou melhor mudar a medicação, porque já está ficando complicado por causa desses nódulos”, explicou.
Novo tratamento incorporado ao SUS
A médica Bianca Oliveira explica que o Mavenclad é indicado para pacientes que apresentam surtos da doença e atividade inflamatória, sendo administrado por via oral. Segundo a médica, o Ministério da Saúde recomenda o medicamento quando há necessidade de substituir ou contraindicar outros tratamentos.
De acordo com a neurologista, qualquer paciente, independentemente de seu poder aquisitivo, pode receber o tratamento com Mavenclad gratuitamente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o que destaca a importância da incorporação desse medicamento na rede pública.
A especialista também afirma que a principal vantagem do novo tratamento é a comodidade. Segundo ela, o paciente tomará os comprimidos durante dois meses no primeiro ano, administrando-o por cinco dias em cada mês. No ano seguinte, a administração será feita por mais 10 dias.
A médica neurologista ainda destaca: “Uma boa parte dos pacientes ficará de dois a quatro anos sem precisar usar outro medicamento.” Ela também ressalta que o medicamento tem uma alta taxa de controle das crises e dos surtos da doença, além de ser seguro e não apresentar efeitos colaterais graves.
“A outra possibilidade é que, como ele tem esse efeito prolongado, depois que você finaliza esse segundo ano de tratamento, após seis meses, as mulheres podem engravidar e amamentar sem nenhuma complicação pelo uso do remédio e sob efeito terapêutico, com a doença sob controle”, explica a médica.
Segundo a médica, em comparação com outros medicamentos orais, que exigem o uso diário ou a ingestão de duas cápsulas por dia, nenhum permite que a mulher engravide ou amamente, sendo necessário suspender o tratamento. Já os medicamentos intravenosos também não oferecem essa possibilidade.
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Expectativa para o futuro
Segundo Rafaela Oliveira, a médica apresentou quatro opções para a troca de medicação, mas, ao descobrir que poderia parar de tomar remédios com tanta frequência com o Mavenclad, ela teve certeza: “Eu quero esse!”. A principal motivação para a escolha foi a facilidade de tomar a medicação e a possibilidade de evitar os nódulos.
Ela recebeu o medicamento no dia 28 de fevereiro, antes do carnaval, mas optou por aguardar um momento em que pudesse ter o auxílio de outras pessoas. Quando conversou com o g1, no dia 10 de março, ela já havia tomado o primeiro comprimido.
Ainda não dava para falar se sentia uma melhora ou se algo havia mudado, mas ela poderia, com otimismo, falar sobre o que aguardava para o futuro com o novo medicamento.
“Que eu não precise mais de remédio para o resto da vida, que é uma promessa dele. Que eu tome esse primeiro ano, dois meses, ano que vem, mais dois meses, aí terceiro e quarto ano eu não tomo. Então, querendo ou não, já é uma coisa boa, entendeu? Vou ficar dois anos sem tomar nada”, afirmou.
Maria Isabel também mantém esperanças para o futuro. O desejo dela é evitar as dificuldades de viajar até João Pessoa para receber a medicação e o desconforto de encontrar um acesso venoso – algo que se tornou mais desafiador após anos de tratamento injetável.
“Eu só vou tomar (a medicação) cinco dias deste mês. Mês que vem, vou tomar mais cinco dias e depois só ano que vem. Não tem mais essa preocupação, não tem a dificuldade, porque às vezes eu não consegui pegar uma medicação em João Pessoa. Tinha que faltar ao trabalho, tinha que colocar atestado. Então, eu acho que já vivo uma vida bem tranquila. Com a mudança da medicação, melhora 100%”, afirmou a médica.
“Eu estou criando muita expectativa para isso e espero que dê tudo certo, porque o fato de sempre ter que me prender a cada 28 dias e ter que tomar a medicação, por mais que não fosse um comprimido diariamente… o fato de ser médica e me colocar como paciente, isso era algo totalmente vulnerável, no meu ponto de vista”, concluiu a médica.
‘Vivo minha vida completamente normal’
Apesar da esclerose múltipla, Maria Isabel e Rafaela Oliveira contam que é possível viver bem e, em certos momentos, “esquecer” que têm a doença.
“Eu tenho esclerose múltipla, mas vivo minha vida completamente normal. Eu trabalho todo dia, estudo, estou na minha segunda residência já como médica, estou fazendo especialização, vou para festas, me divirto, pratico muita atividade física; isso é uma coisa que melhorou 80% dos meus sintomas, do meu cansaço”, explica a médica Maria Isabel.
Para ela, algo que faz diferença na fadiga causada pela doença é uma alimentação saudável e a prática de atividades físicas. Segundo a médica, ela vive uma vida sem novos surtos e sintomas aparentes, sendo apenas possível identificar alterações da doença em exames.
“Não tive nenhum novo surto, nenhum sintoma que fosse tão visível. Diferentemente de muita gente, eu acho que, de todas as pessoas que eu conheço que têm esclerose múltipla, todas elas têm sintomas, sequelas que atrapalham o dia a dia, ou, como podemos dizer assim, que fazem com que elas lembram que têm a doença. Porque, às vezes, eu não me lembro”, afirmou.
Já Rafaela também vive com poucos sintomas da doença e conta que precisa fazer acompanhamento no centro especializado cerca de uma vez por ano.
Quais são os principais sintomas da esclerose múltipla?
A médica neurologista Bianca Oliveira explica que faz diferença para a qualidade de vida do paciente o diagnóstico precoce, um tratamento eficaz e seguro, e o controle da progressão da evolução da doença. Para isso, é importante identificar a doença rapidamente.
A neurologista destaca que os principais sintomas da doença são:
Embaçamento visual
Visão dupla
Desequilíbrio
Falta de força muscular
Fadiga
Alterações da sensibilidade
Dificuldade no controle do esfíncter vesical e anal, como incontinência urinária, urgência miccional e retenção urinária
Alterações na coordenação motora
No entanto, a médica destaca que, apesar dos sintomas característicos, pode ser que alguns pacientes apresentem poucos sintomas, enquanto outros podem apresentar vários. “Isso depende muito de onde está a lesão da doença e da forma de manifestação em cada paciente. Cada paciente pode ter uma manifestação diferente do outro”, explica.
“É o que eu sempre falo para os meus pacientes que primeiro de tudo, independente da esclerose múltipla, nós temos que conhecer nosso corpo. Todo, tudo o que acontece da cabecinha até a ponta do pé. Porque se não fosse se isso, eu tenho certeza que meu diagnóstico, ele teria sido retardado por muito tempo”, afirmou a médica Maria Isabel.
Esclerose múltipla: veja como são os sintomas e o tratamento
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