Agricultora indígena cultiva melancias gigantes de mais de 40 kg debaixo de ‘sombra e água fresca’ em Roraima


Melancias são cultivadas em ‘casinhas’ de madeira e palha na comunidade indígena Fonte Formosa, na região da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Normandia. Com tipos que já chegaram a 51 kg, frutos são quase três vezes mais pesados que a maioria. Agricultora indígena Kátia Maria Pinho da Silva, de 49 anos, com uma das melancias ainda em desenvolvimento.
Yara Ramalho/g1 RR
Comprida ou redonda como uma bola, verde por fora, vermelha por dentro, suculenta e “graúda”. Assim são as melancias cultivadas pela agricultora indígena Kátia Maria Pinho da Silva, de 49 anos, no município de Normandia, no interior de Roraima. Cultivados na sombra e com água fresca, em “casinhas” de madeira e palha, os frutos colhidos são gigantes, com pesos de mais de 40 kg — quase três vezes mais pesadas que a maioria deles, que costumam ter 15 kg.
🍉Os frutos são cultivados no sítio Fonte Formosa, localizado na comunidade indígena de mesmo nome, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ao Norte de Roraima. A lavoura de melancia é uma das principais fonte de renda da família de Kátia, do povo Macuxi, que vive da agricultura e pecuária há 32 anos.
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Melancias em casas de madeira, telhas e palha de coqueiro em Roraima.
Yara Ramalho/g1 RR
Fruta do verão, que se desenvolve quando o tempo está quente e seco, a melancia é uma das mais consumidas pelos brasileiros: no café da manhã, almoço, lanche da tarde e até no jantar. Composta por 90% de água, a fruta ajuda a manter a hidratação do corpo em dias de calor e tem ação diurética.
O plantio das melancias produzidas pela agricultora indígena começa com a preparação do solo, onde as covas — espaço do plantio — são abertas. Com isso, as sementes são plantadas, adubadas com esterco de carneiro e irrigadas até o dia da colheita, o que acontece diariamente na lavoura dela. Os pés de melancia dividem espaço com outras frutas, como maracujá, macaxeira e açaí.
Para se desenvolverem bem, as frutas também precisam do sol. No entanto, ao atingirem um tamanho já considerado grande para os padrões da fruta e perto da fase de colheita, as melancias ganham uma casa feita com pedaços de madeira e coberta por telhas e outras plantas. A “cama” delas é uma ripa, que evita que o fruto fique em contato direto com um solo quente.
“As casinhas são para proteger do sol! Eu tenho que proteger com as casinha e deixar as ramas em cima, é uma sombra para elas ficarem mais à vontade e onde elas conseguem se desenvolver mais. No solo, [a madeira usada] é devido ao fungo também porque a gente não usa um remédio para combater, os cuidados tudo vem com adubo natural mesmo”, explicou ela.
Melancias gigantes são cultivados debaixo de ‘casinhas’ no município de Normandia, em roraima.
Yara Ramalho/g1 RR
Roberto Dantas de Medeiros, engenheiro agrônomo, doutor em Fitotecnia e pesquisador da Embrapa Roraima explica que a proteção com as casinhas são principalmente um fator estético na hora da comercialização, para evitar manchas, já que a fruta precisa de calor para crescer.
“O excedente do sol realmente interfere negativamente. No entanto, a melancia precisa de bastante de calor, de um calor em torno de de 30 graus mais ou menos diariamente. Isso realmente ajuda, é favorável a melancia, [para] ter boa qualidade. Ele [calor] favorece a melancia fazendo que tenha um crescimento superior àquelas plantas que realmente são plantadas numa época de menos de insolação”, explicou.
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‘A agricultura familiar é a nossa vida’
A plantação tem melancias da espécie Jubilee, que tem um formato mais alongado e uma casca com listras verde escuras. Além de uma variedade mais redonda, resultado de um cruzamento natural de sementes dentro do próprio plantio por meio da polinização — o processo de transferência de grãos de pólen de uma planta para outra —, de acordo com a agricultora.
🤫 O cultivo delas dura cerca de 65 dias e guarda um segredo de plantação que Kátia Maria não revela para ninguém. O fato é: tudo é administrado por ela.
Melancias redondas são cultivadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ao Norte de Roraima.
Yara Ramalho/g1 RR
O trabalho é feito por toda a família: o marido Erronias de Jesus da Silva, de 59 anos, os filhos, as noras e os netos, que ainda são crianças mas já ajudam com as atividades. Eles dividem os cuidados com a lavoura de melancia, que envolve o preparo braçal da terra, atenção a temperatura, irrigação diária e a proteção contra as pragas, que eles combatem sem o uso de agrotóxico.
“É tudo manual, tudo é na enxada. No momento que a gente vem para a roça, a gente convoca toda família e aí vem os filhos, vem os netos, vem o esposo, todo mundo vai para a enxada, faz os berços [local de plantação], faz a correção do solo e coloca o material. E daí a gente vai fazer a plantação e eu acredito que está o resultado do nosso trabalho, os frutos na roça”, afirmou a agricultora.
“A agricultura familiar é a nossa vida, é no que nós acreditamos e onde colhemos bom frutos”, completou Kátia Maria.
Agricultores Kátia Maria e Erronias de Jesus da Silva.
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Para o secretário de agricultura de Normandia, João Menezes da Silva Neto, as melancias cultivadas por Kátia são resultado de um conhecimento prático, passado de geração em geração, combinado com uma área propícia para o cultivo de frutas e um clima favorável para o desenvolvimento delas.
“Nós estamos numa área de lavrado e há muito tempo se tinha como paradigma que no lavrado não se produzia nada, [isso] foi quebrado e é provado que no lavrado se produz de tudo. Então, aqui nada é infértil, todos os solos podem se tornar altamente férteis e é o que acontece com essas áreas. Corrigindo a parte química do solo a gente consegue bons resultados”, disse.
Ainda de acordo com o secretário, o brix da melancia de Normandia – indicador do grau de doçura do fruto é mais alto em comparações a outras regiões. “Aqui nós conseguimos chegar até 14,16 [grau brix]. Está altíssimo”.
Segundo o pesquisador do Embrapa, o caso de Normandia é uma exceção no estado. “O normal é na faixa de entre 10 e 12 graus, no caso da melancia dessa produção aí, que realmente de um modo geral realmente é um pouquinho mais mais maior do que em produções daqui do Sul de Boa Vista, por exemplo”, disse.
Competição anual
Apesar dos frutos gigantes, nem todas as melancias cultivadas pela família roraimense atingem pesos e tamanhos fora do comum. As grandes e, principalmente, as de tamanho normal são comercializadas pela família.
Anualmente, eles colhem cerca de 30 toneladas do fruto, que são enviados para compradores de outros municípios do estado e de diversos estados do Brasil. As frutas também são enviadas para programas do governo federal e estadual, que compram frutas de agricultores familiares e organizações.
“[Ela] vai para os programas do governo federal, do governo do estado, vai para o PA, vai para Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Com o benefício, a gente já investe em um novo trabalho, na roça”, contou a agricultora.
Melancia gigante, ainda em desenvolvimento.
Yara Ramalho/g1 RR
Todo o ano, uma parte das gigantes melancias já tem um destino definido: o Festival da Melancia, tradicional evento de Normandia, município conhecido como o maior produtor da fruta em Roraima. Na festa, as frutas são expostas em várias competições, entre elas a de melancia mais pesada e a mais doce.
Kátia participa da competição de fruto mais pesado há cerca de 16 anos e garante que sempre ocupa um lugar do pódio. Em 2025, ela ficou nele sozinha e venceu por WO — do termo “walkover”, que significa “vitória fácil, pois não haviam competidores com melancias grandes o suficiente para disputar com as dela. Uma das frutas pesou mais de 43 kg.
Com o prêmio desse ano, ela planejar investir na plantação das melancias e outros frutos da roça para “garantir a qualidade” das frutas da Fonte Formosa.
Melancia redonda, colhida em Roraima.
Yara Ramalho/g1 RR
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