Corredora relata importunação sexual no parque mais famoso de Porto Alegre; outros três casos aconteceram em 48 horas


Aline Davila passou por um caso de assédio no Parque da Redenção. Movimento nas redes sociais reúne coletivo de corredoras em prol da segurança nos espaços públicos. Corredora relata importunação sexual no Parque da Redenção, em Porto Alegre
A assistente social Aline Davila é uma das muitas mulheres que frequentam o Parque da Redenção, o mais famoso de Porto Alegre, para seus treinos e corridas. Há três anos e meio, ela sai com medo de casa todos os dias e, apesar de estar sempre atenta aos arredores, foi vítima de uma importunação sexual, confrontada de maneira obscena.
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Aline costuma sair cedo para correr, por volta das 6h, para conciliar os horários com suas obrigações de trabalho. No entanto, o que era para ser um prazer, virou um episódio traumático na última quarta-feira (3).
“Fui chamada através de um assobio e logo depois entendi que estava acontecendo alguma movimentação que ultrapassa só aquele chamado. Possivelmente, a pessoa estava tendo alguma ação ali de masturbação mesmo”, relata.
Aline Davila correndo em Porto Alegre
Arquivo pessoal
Quando Aline percebeu o contexto em que estava inserida, ela teve uma ação imediata: gritar.
“A revolta e a raiva me fizeram gritar”, conta. Ela conseguiu chamar a atenção do seu treinador, que estava a cerca de 300 metros de distância. “Quando a pessoa percebeu a situação em que eu comecei a gritar, ela saiu”, relembra.
O caso aconteceu no chafariz da Redenção, localizado no centro do parque.
Ao buscar apoio da Guarda Municipal, próxima do local, Aline se deparou com mais um episódio que considerou um descaso. “Eles não me receberam de forma adequada […], não me deram nenhuma informação efetiva sobre a situação e alegaram que não escutaram e que estavam na troca de turno”, conta.
De acordo com a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), a pasta “intensificará as rondas da Guarda Municipal no Parque Farroupilha (Redenção), em especial nos horários de prática esportiva” e “as câmeras de videomonitoramento, incluindo os equipamentos da Redenção, estão à disposição das autoridades competentes”.
Movimento coletivo de corredoras
Aline Davila correndo em Porto Alegre
Arquivo pessoal
Após expor o abuso nas redes sociais, a assistente social recebeu respostas imediatas de outras mulheres que compartilharam experiências similares, incluindo três ocorrências recentes no mesmo parque e na orla de Porto Alegre. Os quatro casos, incluindo o de Aline, teriam acontecido em um prazo de 48 horas.
A delegada Fernanda Campos Hablich, da Delegacia da Mulher (DEAM) explica o porquê casos assim se configuram como crime: “Quando o suspeito, seja homem ou mulher, neste caso o homem, pratica algum ato libidinoso contra vítima, sem anuência dela, isso configura o crime de importunação sexual”.
No entanto, apesar dos diversos relatos de importunação sexual, a delegada Fernanda ressalta que consta o registro de apenas um boletim de ocorrência.
“Se fala na rede social em várias vítimas, eu só tenho o boletim de ocorrência de uma vítima, então nós conversamos com ela hoje para tomar o depoimento dela de uma forma mais completa para que a gente possa identificar as demais vítimas, identificar o suspeito, identificar as circunstâncias, para que a gente possa proceder com a regular investigação”, comenta Fernanda.
Os diversos comentários na postagem de Aline levaram à criação de um movimento autônomo coletivo de corredoras para discutir medidas de segurança. Um abaixo-assinado, que contava com mais de três mil assinaturas na noite de quinta-feira (11), e um grupo de WhatsApp para comunicação e apoio mútuo foram algumas das iniciativas já tomadas.
O movimento autônomo é formado por mulheres diversas e com visões políticas diferentes, mas unidas pela causa comum de garantir segurança nos espaços públicos.
O grupo está organizando uma corrida coletiva para o próximo sábado (13) em forma de manifestação pelos casos de assédio e como um símbolo de resistência e solidariedade entre mulheres.
“Essa corrida coletiva é uma corrida para ser em um ritmo bem devagar, para que todas as mulheres possam participar, desde as iniciantes até as mais experientes”, explica.
A corrida sairá da Redenção até a orla, passando pelos pontos onde ocorreram os abusos.
“Queremos medidas concretas e permanentes, não apenas ações temporárias”, afirma referindo-se à necessidade de respostas efetivas das autoridades locais.
A delegada da DEAM ressalta o quão importante é a denúncia em momentos de abuso: “É muito importante que as mulheres façam um registro de ocorrência, seja por meio virtual, seja por denúncia na própria delegacia de polícia, isso porque é importante que as autoridades policiais tomem conhecimento para resolver o caso e também, para com base nas estatísticas, sejam efetivadas, sejam planejadas, sejam concretizadas políticas públicas para a proteção da mulher e para a prevenção deste e de outros tipos penais”.
Revivendo traumas
Com a importunação sexual recentemente presenciada, Aline relembrou um momento quando foi colocada em uma situação bem parecida quando criança, que a deixou completamente vulnerável.
“Eu estava na casa da minha avó no pátio, sentada, brincando, e um homem subiu a calçada de bicicleta e ele tirou para fora o pênis e ficou me mostrando aquilo. Eu tinha seis anos. Eu me senti assim na quarta-feira”, relata.
A assistente social começou a correr durante o isolamento social, encontrando na atividade uma fonte de autoconhecimento e superação.
“(Com a corrida) tenho capacidade para fazer algo tão potente e que tem uma expressão tão grande no meu corpo físico e mental que eu acabei nunca mais saindo”, conta.
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