‘Ele pagou com a vida por não saber’, diz irmã de morador que teria sido torturado e jogado de ponte por PMs em Porto Alegre


Conforme inquérito policial militar, enquanto apanhava, homem era perguntado sobre “localização de armas e drogas”. Corpo de Vladimir Abreu de Oliveira, de 41 anos, foi encontrado dois dias depois, na Zona Sul da capital. Foto de Vladimir Abreu de Oliveira, que morreu após abordagem da BM, estampa camiseta usada por familiar
Reprodução/RBS TV
A família de Vladimir Abreu de Oliveira, de 41 anos, homem que teria sido torturado por PMs após abordagem e jogado do vão móvel da Ponte do Guaíba, nega que ele tivesse qualquer envolvimento com o crime. De acordo com a irmã, o morador do Condomínio Princesa Isabel, em Porto Alegre, “pagou com a vida” por não responder aos questionamentos feitos pelos policiais.
“Não tinha envolvimento nenhum. Nem saía, a vida era dentro do condomínio. Ele morreu por não saber nada. Os policiais queriam informações do crime e ele não sabia. Então, ele pagou com a vida”, desabafou Patrícia de Oliveira.
📲 Acesse o canal do g1 RS no WhatsApp
Conforme o Inquérito Policial Militar (IPM) que apura as responsabilidades sobre o caso, enquanto apanhava, homem era perguntado sobre “localização de armas e drogas”.
“Havia o dolo dos agentes em causar sofrimento com a finalidade de se obter informações da localização de armas e drogas”, detalha o relatório. Cinco PMs foram indiciados após o IPM, dos quais dois foram presos. Entenda abaixo.
PMs teriam torturado e matado homem em Porto Alegre
O laudo de necropsia indica que Vladimir morreu em razão de politraumatismo (múltiplas lesões graves em duas ou mais regiões do corpo). O documento sugere que as lesões ocorreram enquanto o morador ainda estava vivo.
“Ele teve várias partes do corpo quebrada. Teve hemorragia. Foi caixão fechado [o velório] porque a minha mãe participou do velório e a gente não queria que ela visse tamanha crueldade”, disse Patrícia.
Segundo a irmã, Vladimir tinha dez filhos, frutos de dois casamentos que teve. A família anseia por justiça.
“A gente quer que os cinco paguem. E eu vou até o fim. Eu não tenho medo, eu tenho ódio”, relata Patrícia.
Uma investigação da Polícia Civil, independente da feita pela BM, apura a responsabilidade criminal dos fatos. Conforme o delegado André Luiz Freitas, os PMs serão interrogados esta semana. As testemunhas já foram ouvidas.
“Por estratégia da investigação, deixamos os investigados por último”, explica o delegado.
Vladimir Abreu de Oliveira, de 41 anos, morto após abordagem da BM
Arquivo Pessoal
Inquérito Policial Militar
Um dos soldados ouvidos pela BM relatou à investigação que, após a abordagem no condomínio, o sargento que comandava a guarnição determinou que eles se deslocassem até a região das ilhas. Na ponte do Guaíba, dois deles teriam agredido Vladimir com socos e pontapés, de acordo com o PM.
A investigação também traz a localização do GPS da viatura utilizada pelos PMs. O sinal aponta que o veículo da BM ficou parado na ponte por 42 minutos.
Em depoimento, dois soldados afirmaram que o sargento determinou que nenhuma documentação sobre a abordagem fosse feita. “Tampouco fosse comentado com qualquer pessoa acerca dessa abordagem, o que somente reforça a existência dos crimes narrados neste relatório”, aponta o inquérito.
A investigação da BM contou com o depoimento de dez pessoas, entre moradores, vizinhos e policiais da Força Tática do 9º Batalhão de Polícia Militar. Cinco PMS foram indiciados pela BM por envolvimento na morte de Vladimir. Dois deles, o sargento e um soldado, que seriam os responsáveis pelas agressões, estão presos preventivamente. (Saiba mais abaixo)
Ônibus foi incendiado em Porto Alegre. Não há informações sobre feridos
Carla Mello/GZH
Indiciamentos
Segundo a investigação da Corregedoria, dois PMs foram indiciados por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver, um por tortura por omissão, um por prevaricação e um por omissão de socorro. (Veja abaixo)
2º Sargento Felipe Adolpho Luiz: tortura seguida de morte e ocultação de cadáver (preso preventivamente)
Soldado Lucas da Silva Peixoto: tortura seguida de morte e ocultação de cadáver (preso preventivamente)
Soldado Maicon Brollo Schlumpf: tortura por omissão
Soldado Dayane da Silva Souza: prevaricação
Soldado Bruno Pinto Gomes: omissão de socorro
O 2º sargento Felipe Adolpho Luiz e o soldado Lucas da Silva Peixoto estão presos preventivamente. O advogado Mauricio Adami Custódio, que os representa, sustenta que “os policiais estão presos sem nenhuma justificativa racional”. Segundo ele, as prisões são “resultado de uma pressão sobre a instituição”.
O advogado Fabio Silveira, que representa o soldado Maicon Brollo Schlumpf, disse que “a defesa está estudando a solução do IPM para planejar o próximo passo”.
Os representantes dos soldados Dayane da Silva Souza e Bruno Pinto Gomes não retornaram os contatos da reportagem até a mais recente atualização.
Em nota enviada à imprensa, a BM afirmou que “lamenta profundamente o ocorrido e destaca que repudia e não pactua com quaisquer abusos ou desvios de conduta por parte de seu efetivo”. A Corporação acrescenta que “não se furta da responsabilidade correcional que lhe cabe”. (Leia a íntegra abaixo)
Policiamento é reforçado após ônibus serem incendiados em Porto Alegre
Relembre o caso
Segundo familiares e testemunhas, Vladimir estava em casa, no Condomínio Princesa Isabel, na região central, quando foi abordado pela BM, em 17 de maio. Sem notícias dele, a família fez buscas em delegacias e hospitais, mas não teve resultado.
O corpo de Vladimir foi encontrado no dia 19 de maio, no bairro Ponta Grossa, cerca de 10 km de distância de onde havia sido visto pela última vez. A irmã, Letícia Abreu de Oliveira, afirmou que o corpo da vítima apresentava sinais de tortura.
“A gente reconheceu o corpo, a minha prima reconheceu o corpo, ele tá todo machucado, todo, todo. A perita falou, ‘torturaram ele, torturaram ele antes de matar’. Torturaram ele. E ele não tinha inimigo, ele não tinha guerra, ele não era envolvido com tráfico”, disse, na época.
Após serem informados de que Vladimir havia sido encontrado morto e com ferimentos pelo corpo, cerca de 50 pessoas bloquearam a avenida em frente ao condomínio. Dois ônibus foram incendiados. Os motoristas contaram à polícia que os manifestantes pediram para todos que estavam nos veículos saíssem. Ninguém ficou ferido.
A Polícia Civil prendeu, no dia 3 de junho, quatro suspeitos de incendiar os dois ônibus. No dia 19 de maio, eles teriam comprado o combustível em um posto de gasolina e ateado fogo nos veículos, segundo a investigação.
No dia 7 de junho, dos PMs foram presos preventivamente. Eles foram encaminhados para o Presídio Militar de Porto Alegre.
Momento da operação que prendeu quatro pessoas por incêndio em ônibus
Divulgação/Polícia Civil
Nota da Brigada Militar
A Brigada Militar, por meio do 9º Batalhão de Polícia Militar, informa que concluiu em 14 de junho o Inquérito Policial Militar (IPM) que investiga os fatos envolvendo o desaparecimento e morte de Vladimir Abreu de Oliveira após ser submetido a uma abordagem policial militar. No dia 07 de junho, sexta-feira, a BM já havia cumprido dois mandados de prisão preventiva relacionados às investigações.
O homem foi dado como desaparecido no dia 17 de maio do corrente ano, em princípio, após ter sido abordado pela Brigada Militar na avenida Princesa Isabel, em frente ao Condomínio de mesmo nome. A vítima foi encontrada sem vida no dia 19 de maio, ou seja, dois dias depois, no bairro Ponta Grossa.
Após o encontro do corpo de Vladimir, imediatamente, instaurou-se o competente IPM, a fim de apurar o eventual envolvimento de policiais militares no desaparecimento e morte do homem.
As investigações apontaram o envolvimento de cinco policiais militares, dois indiciados por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver, um por tortura por omissão, um por prevaricação e um por omissão de socorro. Além disso, o procedimento concluiu pelas infrações disciplinares correspondentes.
A Brigada Militar informa que empregou todos os esforços para a mais breve possível elucidação dos fatos e devida responsabilização. Como instituição dedicada à proteção e segurança da população gaúcha, a BM lamenta profundamente o ocorrido e destaca que repudia e não pactua com quaisquer abusos ou desvios de conduta por parte de seu efetivo e não se furta da responsabilidade correcional que lhe cabe.”
VÍDEOS: Tudo sobre o RS
Adicionar aos favoritos o Link permanente.