Corregedor nacional afasta desembargador do PR que disse que ‘mulheres estão loucas atrás dos homens’ em sessão


Luís César de Paula Espíndola deu declaração em julgamento sobre assédio relatado por menina de 12 anos. Reclamação disciplinar tramita no CNJ; afastamento vale até análise definitiva. Desembargador do Paraná diz durante sessão que ‘mulheres estão loucas atrás dos homens’
O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, decidiu nesta quarta-feira (17) afastar do cargo o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) Luis Cesar de Paula Espíndola.
Espíndola afirmou, em sessão no início do mês, que “as mulheres estão loucas atrás de homens” – em uma sessão que analisava um caso de assédio contra uma criança de 12 anos.
A decisão foi tomada na reclamação aberta por Salomão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apura “discurso potencialmente preconceituoso e misógino em relação à vítima de assédio envolvendo menor de 12 anos”.
O afastamento vale até que a reclamação disciplinar seja julgada em definitivo pelo plenário do CNJ.
“Assim, defiro , parcialmente, a cautelar requerida, para determinar o afastamento imediato do magistrado reclamado, até decisão final a ser proferida no procedimento disciplinar correlato ou até deliberação do Plenário acerca desta medida”, escreveu Salomão.
O g1 aguarda, desde o início do mês, resposta do desembargador Espíndola sobre o caso.
Julgamento envolvia vítima de 12 anos
A declaração de Espíndola foi feita em uma sessão da 12ª Câmara Cível do TJ-PR, da qual o desembargador é presidente. O colegiado decidia sobre uma medida protetiva que proíbe um professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos que se sentiu assediada.
Conforme Salomão, situações de violência institucional contra mulheres têm sido alvo de atenção da Corregedoria Nacional de Justiça.
“São situações envolvendo possível revitimização de mulheres em processos em curso, indícios de tratamento jocoso envolvendo questões de gênero direcionado a advogadas, magistradas e partes ao longo de julgamentos, e inobservância de normas voltadas a garantia do direito das mulheres, como prerrogativas de advogadas, por exemplo”, detalha o corregedor na reclamação.
A 12ª Câmara Civil é a responsável no tribunal por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva.
No caso analisado pelo colegiado na última quarta, a derrubada da medida protetiva em debate envolveu uma aluna de 12 anos que sentiu assediada por professor de uma escola pública do interior do estado
O julgamento levou em conta mensagens com elogios enviadas no meio da aula para o celular da menina. Além disso, o professor foi investigado e absolvido na área criminal por suspeita de ter importunado a criança.
Por quatro votos a um, o tribunal decidiu manter a medida protetiva que proíbe o docente de se aproximar da vítima. O voto contrário foi do presidente. Ao justificar o voto, Espindola disse que não concorda com a atitude, mas que não há provas contra o professor.
“Muito embora essa conduta, né, para alguns não seja própria e eu até concordo que para mim não seria próprio, mas hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê, não só… Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim… de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior”, disse Espindola.
Desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, do TJ-PR
Reprodução
Logo após o desembargador proclamar o resultado, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte do quórum, se manifestou:
“Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino lamentavelmente na sociedade que reforça esse machismo estrutural, ou que hoje a gente chama de machismo estrutural, que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, ‘uma sua roupa tá com você, tá?’ Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor, extremamente constrangedor”, disse Ivanise.
Em seguida, o presidente da 12ª Câmara Cível voltou a se pronunciar:
“Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia sabe o que o que existe, essa é a realidade as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado… É só sair à noite, eu não saio muito à noite, mas eu eu conheço, tenho funcionárias, tenho sabe… tenho contato com o mundo. Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem, essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil sabe? Isso é óbvio, né? Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres, vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e eventualmente para namorar. Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia entendeu? Que as mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade, sabe, são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de ‘viúva’, a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito, é muito, é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, as mulheres ninguém tá correndo atrás de mulher porque tá sobrando”
Durante a tarde, o TJ-PR retirou do ar o vídeo da sessão em que o desembargador fez o pronunciamento sobre as mulheres. Conforme a Corte, o material foi retirado para preservar as partes envolvidas, considerando que o processo tramita em segredo de justiça.
Desembargador já foi condenado por agredir a própria mãe e a irmã
O desembargador já foi condenado, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Lei Maria da Penha, por agredir a própria mãe e a irmã.
O STJ condenou Espindola a 7 meses de prisão, mas a pena não foi aplicada porque o caso prescreveu.
Organizações condenaram postura
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