Após fugas de crianças, Ministério Público pede nomeação de gestor de crise para Abrigo Municipal Infantil de Maringá


Pedido foi feito à Vara da Infância e Juventude e requer que o novo gestor seja nomeado em até 48 horas e fique por 90 dias para resolver problemas emergenciais. Prefeitura disse que aguarda a decisão da Justiça. Promotor fala sobre pedido de nomeação de gestor de crise em Abrigo Municipal Infantil de
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) solicitou, na sexta-feira (6), que a prefeitura de Maringá, no norte do Paraná, nomeie um gestor de crise para o Abrigo Municipal Infantil.
Nas últimas semanas, o imóvel onde ficava o abrigo precisou ser interditado após diversos episódios de fugas dos acolhidos, depredação e confusões. As crianças foram removidas do local. Algumas foram levadas para um abrigo provisório e outras estão com famílias acolhedoras. Leia mais a seguir.
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O pedido foi feito pelo promotor Ricardo Malek Fredegoto, da 3ª Promotoria de Justiça da cidade, e encaminhado para a Vara da Infância e Juventude de Maringá.
O prazo de 48h começa a contar só depois que a Justiça avaliar o pedido do MP e determinar que ele seja cumprido. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) informou que o caso ainda não foi analisado.
A petição requer que o novo gestor seja nomeado em até 48 horas e fique por 90 dias para resolver problemas emergenciais e garantir a segurança e equipe mínima para o atendimento dos acolhidos.
“Essa ação foi necessária devido ao colapso completo do serviço de acolhimento, que atingiu ponto crítico e intolerável, nos últimos dias, com fugas diárias, uma equipe de servidores paralisada, sem liderança e sem condições de garantir a segurança dos acolhidos. É inaceitável que em uma cidade com a projeção de Maringá, as crianças que mais precisam de proteção sejam submetidas a tamanho abandono. O objetivo do Ministério Público é só cessar a violação de direitos e garantir, de forma imediata, que cada criança acolhida em Maringá tenha a segurança, o cuidado e a dignidade que a Constituição lhes assegura”, disse o promotor.
Procurada pelo g1, a prefeitura de Maringá disse que aguarda a decisão da Justiça.
Em entrevista à RPC nesta segunda-feira (9), o prefeito Silvio Barros (PP) disse que um plano de ação foi discutido entre todas as secretarias envolvidas direta e indiretamente na situação, em conjunto com o promotor Fredegoto e a delegada Karen Nascimento, do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) da Polícia Civil (PC-PR). Ele informou que o novo abrigo mudará para duas casas e as crianças colocadas serão divididas entre os imóveis por idade.
“Nós definimos realmente um novo conceito de procedimento, onde a prefeitura assumiu a responsabilidade de separar as crianças, de colocá-las em residências e não em prédios públicos, como eles estão, para que a gente possa fazer o que a lei determina da maneira correta. Também começamos um processo intenso de capacitação de toda a equipe que direta ou indiretamente vai atuar com as crianças”, explicou Barros.
O prefeito também explicou que haverá novas regras de contenção das crianças acolhidas – que consiste na imobilização delas em caso de fugas, agressões e depredações -, que foram acordadas com a promotoria.
“O promotor vai pessoalmente dizer pra elas que está permitida a contenção. A partir de agora a nossa equipe tem treinamento em contenção e está autorizada a fazer isso. A nossa responsabilidade com as crianças é prepará-las para poder entrar numa casa e serem acolhidas, pois, com esse tipo de comportamento, quem vai querer acolher? É nossa responsabilidade, sim, cuidar dessas crianças, educar e ensiná-las a ser cidadãos”, afirmou o prefeito.
O que deve mudar?
Além do novo gestor, o documento solicita também que sejam implementados protocolos formais de crise e manejo pessoal, a capacitação da equipe e apresentação de um plano de transição de gestão que deve ser enviado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania ao final dos 90 dias.
Caso as decisões judiciais sejam descumpridas, o promotor pede que seja estabelecida uma multa diária no valor de R$ 10 mil ao prefeito Silvio Barros (PP) e ao secretário de assistência social e cidadania, Leandro Bravin.
‘Tragédia anunciada’
Janelas do abrigo foram quebradas com pedras.
Alex Magosso/RPC
No pedido, o promotor argumenta que uma Ação Civil Pública foi ajuizada em maio de 2023, com o objetivo de corrigir irregularidades no Serviço de Acolhimento para Crianças.
Naquele ano, conforme o documento, uma liminar estabeleceu ao município um roteiro de obrigações, que não foram seguidas, segundo o promotor Ricardo Malek Fredegoto.
“Contudo, a resposta do Poder Público Municipal tem sido um padrão de inércia e descumprimento. […] O que se apresenta agora não é mais um descumprimento, mas o colapso fático do serviço, a materialização da tragédia anunciada por este Ministério Público”, afirma o documento.
No pedido, o promotor pontua ainda que a crise atual tem como origem a “falha crônica na gestão de pessoas e na governança do serviço”, a precarização do quadro de pessoal, com número insuficiente de educadores e ausência de direção.
Após os problemas registrados em maio, o MP relata que um novo diretor chegou a ser nomeado, mas pouco tempo depois pediu afastamento e o serviço ficou sem chefia – situação que ainda persiste.
“Não se discute aqui uma questão meramente administrativa, mas sim o direito à vida, à segurança, à saúde e à dignidade de dezenas de crianças em situação de altíssima vulnerabilidade, direitos estes que a própria Constituição Federal, em seu artigo 227, alçou à condição de prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado”, defende.
A urgência do pedido foi justificada pelo promotor por conta do perigo de dano. Segundo Fredegoto, “cada hora de inação da gestão municipal é uma hora a mais de risco real à integridade física e psíquica das crianças sob a guarda do Estado”.
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Fugas consecutivas
Em menos de três dias, quatro fugas de crianças foram registradas no abrigo. Em uma delas, houve uma confusão em que vidros foram quebrados com pedras, crianças foram vistas no telhado do prédio e servidores foram agredidos.
Após serem transferidas para um novo local, cinco crianças acolhidas fugiram novamente.
Cerca de dez dias antes da primeira fuga, a Prefeitura de Maringá havia sido foi notificada pelo Ministério Público do Paraná sobre a necessidade de melhorias no Abrigo Municipal Infantil.
Após a série de fugas, agressões e registros de problemas estruturais, o prédio do abrigo foi desativado. Das 26 crianças que estavam acolhidas no antigo imóvel, 14 estão no local provisório e o restante foi encaminhado para famílias acolhedoras, segundo a prefeitura.
Em escutas especializadas, crianças relataram violência física e psicológica
Crianças quebram janelas e sobem em telhado de abrigo
O Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) realizou 10 escutas especializadas com crianças do Abrigo Municipal Infantil.
De acordo com a delegada Karen Nascimento, as crianças relataram agressões e violência psicológica dentro do abrigo. Servidores também foram ouvidos e falaram sobre problemas estruturais e falta de pessoal.
Segundo a delegada, as crianças narraram episódios em que uma das educadoras deu tapas no rosto de abrigados e até um caso em que a funcionária segurou uma das meninas pelo pescoço. Uma das crianças, inclusive, estava com hematomas nos braços.
Uma testemunha também foi ouvida e contou que viu uma das educadoras segurando forte no braço de uma das acolhidas e puxando o cabelo dela, em frente ao abrigo.
A delegada Karen informou que a suspeita é de que as agressões foram praticadas por uma servidora que passou a integrar o quadro de funcionários do abrigo neste ano.
Em outros relatos, as crianças disseram que presenciavam xingamentos e eram alvo de violência psicológica. Segundo a delegada, elas contaram que ouviam frases como: “se você não se comportar, eu vou separar você dos seus irmãos” e “você não tem família”.
“São situações que as crianças que já estão ali por conta de uma situação de vulnerabilidade, de abandono, negligência e violência, e isso acaba gerando uma sessão de muita tristeza”, disse a delegada.
Além das crianças, também foram ouvidas a diretora, a psicóloga e a assistente social do abrigo. A delegada informou que elas relataram uma série de dificuldades, como falta de servidores e problemas estruturais. Os servidores disseram ainda que o local deveria ser um acolhimento provisório para algumas das crianças, mas que muitas estão abrigadas ali há muito tempo.
De acordo com a delegada, a investigação vai apurar se foram cometidos crimes como lesão corporal, maus-tratos e agressões na instituição.
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