
Ex-prefeito de João Dias Marcelo Oliveira foi morto durante a campanha para sua reeleição em 2024; candidata da oposição e irmã de traficante do PCC é acusada de ser mandante do crime Facções criminosas investem para controlar o poder político em pequenas cidades do Brasil
João Dias, cidade do Rio Grande do Norte, com pouco mais de 2 mil habitantes, foi palco de um crime político durante a campanha eleitoral de 2024. O então prefeito da cidade, Francisco Damião de Oliveira, conhecido como Marcelo, foi morto junto com o pai quando visitava uma barbearia.
Entre os acusados está a ex-candidata à eleição, que disputava com Marcelo a prefeitura da cidade. Segundo apurou o Fantástico o crime está ligado à presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na cidade. Segundo um levantamento, 42 cidades do interior do Brasil sofreram interferências de facções criminosas durante o pleito do ano passado.
Em João Dias, a disputa envolvia as famílias Jácome e Oliveira. De acordo com uma investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, um acordo feito entre Marcelo e Damária Jácome. Juntos, eles disputaram a eleição em 2020.
“A gente fazendo um acordo desse com você aí, é uma coisa que dá para você se remediar pro resto da vida. Você vai sair de boa. Porque ‘230’ eu dei para você pagar as suas contas. E agora eu vou lhe dar mais R$ 500 mil. Pense por esse lado. É muito dinheiro”, diz Francisco Deusamor Jácome, condenado por tráfico internacional e ligado a Marcola, o líder do PCC, em um áudio.
De acordo com Alex Wagner Alves Freire, delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, Francisco Deusamor Jácome teria oferecido a quantia para Marcelo renunciar ao cargo após a eleição. Deusamor, irmão de Damária, foi condenado por tráfico internacional e era ligado a Marcola, o líder do PCC.
Facções criminosas investem para controlar o poder político em pequenas cidades do Brasil.
Reprodução/TV Globo
“Antes de 2019, quatro irmãos da família Jácome foram condenados por tráfico internacional de drogas”, afirma Freire. A chapa ganhou a eleição e seis meses depois da posse Marcelo renunciou e Damária assumiu a prefeitura.
“Dedico esse dia aos meus sete irmãos, Francisco, Maria José, Samuel, Leidiane, Romeu e, de uma maneira mais especial ainda, aos meus dois irmãos Deusamor e Leidjan”, declarou Damária em discurso de posse.
Segundo a polícia, mesmo antes da renúncia de Marcelo, os traficantes do PCC, Deusamor e Leidjan, seriam os verdadeiros gestores do município, como indica a transcrição de um discurso em que Damária afirma que os irmãos tinham idealizado os quatro anos da administração.
Em outubro de 2021, apenas dois meses depois de assumir, a então prefeita Damária decretou luto de três dias pelas mortes dos irmãos, Deusamor e Leidjan, na Bahia, durante confronto com a polícia.
José Romeu Jácome foi preso na mesma operação. Já Samuel Jácome tinha sido capturado meses antes, e hoje está no presídio federal de segurança máxima de Porto Velho, em Rondônia. Damária perdeu o cargo em 2022, depois que uma decisão da Justiça revogou a renúncia e conduziu Marcelo de volta ao comando da prefeitura.
“Marcelo dizia que ele era ameaçado pelos irmãos da Damária”, afirma o delegado Alex Freire.
Em 2024, Marcelo e Damária se enfrentaram numa campanha tensa. “O pessoal do Jácome tinha esse grupo armado, e o prefeito Marcelo necessitou também de criar uma força nesse sentido”, acrescenta Freire. “Marcelo dizia que ele era ameaçado pelos irmãos da Damária”, continua.
A escalada da tensão durante a campanha culminou na morte de Marcelo e de seu pai. No ano passado, pouco antes do atentado, Damária disse que “o que vem por aí, talvez tenha gente que nem aguente”.
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Detalhes do crime
De acordo com a investigação, Damária e a irmã, Leidjane, vereadora da cidade, teriam mandado contratar homens para matar o prefeito. As investigações apontam que os executores usaram um sítio antes do atentado. Eles chegaram ao local cerca de 10 dias antes do crime.
Um vídeo, feito por um dos criminosos, foi gravado no sítio, que pertence à família Jácome. “É peça por todo canto. Ô, quadrilha cabulosa!”, diz ele na gravação. “Eles encontraram dificuldades de executar o crime porque ou Marcelo estaria acompanhado de seu grupo armado que fazia a sua segurança pessoal, ou estaria na residência que também é uma fortaleza”, diz o delegado Carlos Fonseca.
A execução aconteceu dias depois, quando Marcelo e o pai visitavam uma barbearia. Nove suspeitos pelo crime foram presos e quatro estão foragidos, inclusive Damária. A polícia segue nas buscas.
Após a morte de Marcelo, a viúva, Maria de Fátima Mesquita da Silva, do União Brasil, se tornou prefeita. Procurada pelo Fantástico, a prefeitura afirma que a cidade passa por momentos de profunda intranquilidade e que tem procurado devolver a normalidade à cidade e a seus moradores.
O advogado de defesa da fampilia Jácome disse que não há provas da participação das irmãs Damária e Leidiane no crime, e que as duas deixaram João Dias porque foram ameaçadas de morte.
Outro lado
A equipe do Fantástico tentou, sem sucesso, falar com a atual prefeita, Maria de Fátima Mesquita da Silva, do União Brasil, viúva do ex-prefeito assassinado.
Em nota, a prefeitura afirma que a cidade passa por momentos de profunda intranquilidade e que tem procurado devolver a normalidade à cidade e a seus moradores.
Na casa da família Jácome, a equipe do Fantástico também não encontrou ninguém. O advogado de defesa disse que não há provas da participação das irmãs Damária e Leidiane no crime, e que as duas deixaram João Dias porque foram ameaçadas de morte.
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