Auxílio Reconstrução foi solicitado irregularmente por presidiário e por mulher que fechou empresa meses antes da tragédia no RS


Governo identificou irregularidades em quase metade dos 629 mil cadastros em benefício para quem foi afetado pelas enchentes do RS. Ex-detento que pediu o Auxílio Reconstrução no RS
Reprodução/RBS TV
Fraudadores estão de olho nos recursos públicos liberados a quem foi afetado pela enchente no Rio Grande do Sul. Em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a reportagem identificou duas tentativas de acessar dinheiro da prefeitura e do governo federal. A enchente de abril e maio deixou 182 mortos no RS.
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A reportagem descobriu entre os cadastrados no programa um homem que estava preso à época da inundação e a dona de uma salão de beleza fechado seis meses antes da tragédia. Na tentativa de conter as fraudes, o governo federal anuncia uma “malha fina” para identificar irregularidades (entenda mais abaixo).
Júnior Cechinel entrou com o pedido para receber os R$ 5,1 mil do Auxílio Reconstrução, pagos pelo governo federal, alegando ter perdido tudo com a cheia no bairro Harmonia, em Canoas. No entanto, ele estava preso na Penitenciária Modulada de Osório, no Litoral Norte, entre 28 de dezembro de 2023 e 28 de maio de 2024.
A reportagem apurou que o homem indicou que morava na quarta casa de um terreno que, no entanto, só tem uma residência. O dono mudou-se provisoriamente para a casa de um parente, em Nova Santa Rita. Os vizinhos do local nunca ouviram falar em Cechinel.
Após receber liberdade condicional, o homem passou a residir com o pai na praia de Quintão, em Palmares do Sul – a 136 km de Canoas. Sem saber que estava sendo gravado, ele manteve sempre a mesma versão a quem perguntava sobre a tragédia.
“Eu estava morando lá quando encheu. Me tiraram de barco”, afirmou.
Além de se cadastrar para receber o auxílio, Júnior também passou a intermediar o esquema para outras pessoas, “vendendo” endereços supostamente não reivindicados por moradores. Simulando interesse, a RBS TV recebeu como local a ser cadastrado uma suposta quinta casa no mesmo terreno em que o homem disse que morava em Canoas.
Júnior cobra R$ 550 pelo serviço, sendo R$ 50 no ato e R$ 500 quando o dinheiro for liberado pelo governo federal. Se alguém fiscalizar, ele orienta como justificar.
“Cara, já te falei aí, o fiscal vai vir e vai te perguntar como é que tu saiu de lá? Aí tu vai dizer: ‘não, e eu, os guris aqui da casa quatro, o outro pessoal das casas mais acima, a gente saiu tudo de barco, porque já estava com a metade da casa cheia d’água’. Entendeu? Explica”, disse.
A Prefeitura de Canoas anunciou que vai excluir os cadastros das pessoas que não moram no endereço citado pelo fraudador.
Empresa fechada há seis meses
Em outra suspeita de fraude, uma microempreendedora também se inscreveu na Prefeitura de Canoas para receber, indevidamente, dois benefícios: além do Auxílio Reconstrução, a mulher requereu uma verba destinada pelo município a microempreendedores afetados pela enchente.
Na Receita Federal, Dienifer Massena aparece como dona de uma estética no bairro Mathias Velho. No questionário que preencheu para ter acesso à verba municipal, alegou que o salão foi “muito impactado”. A água teria atingido parte do segundo piso. De acordo com Dienifer, foram perdidos computador, micro-ondas, geladeira e móveis.
O problema é que ela fechou a estética em dezembro do ano passado, cinco meses antes da catástrofe climática, e deixou claro nas redes sociais.
“Estávamos em Canoas. Eu ganhei 14 kg em dezembro, quando graças a Deus a gente conseguiu vir embora”, disse, em postagem.
A RBS TV tentou contato com Dienifer Massena, que disse não estar mais em Canoas.
A prefeitura anunciou a exclusão da microempreendedor da lista de beneficiados, mas diz que a checagem dos dados apresentados em relação ao auxílio reconstrução cabe ao governo federal.
O espaço está alugado desde janeiro por um outro salão de beleza. A atual dona contou que teve prejuízos, não só no salão, mas também em casa. A mulher reabriu o salão sem solicitar qualquer auxílio da prefeitura.
Empresária teria pedido auxílio para empresa fechada em Canoas
Reprodução/RBS TV
‘Malha fina’
A RBS TV teve acesso a um relatório, indicando que metade dos candidatos a receber o benefício federal caiu numa espécie de “malha fina”. Dos 629.611 inscritos, apenas 274.250 pedidos foram enviados para pagamento – a lista pública deve ser divulgada na próxima semana.
Os motivos são os mais variados, e diversos inscritos apresentaram mais de uma inconsistência. Por exemplo, 150,6 mil cadastros estão fora da área alagada e 152,7 mil não tiveram endereço confirmado.
Em 60,3 mil casos, mais de uma família se cadastrou no mesmo endereço. Existem ainda famílias que solicitaram o auxílio em mais de um município, pessoas que se cadastraram em mais de uma família e até candidatos já falecidos.
O ministro da Secretaria de Apoio à Reconstrução do RS, Paulo Pimenta (PT), disse que o cruzamento de diversos bancos de dados permite identificar irregularidades.
“Se esta pessoa tentou cadastrar duas ou três famílias do mesmo endereço, ela não vai conseguir. Primeiro, porque nós temos o dado do Censo, ele é bem atual, que mostra que naquele endereço tem uma residência. Segundo, nós temos a conta de luz, nós temos a conta d’água, nós temos o cartão do SUS, nós temos o CadÚnico, nós temos os dados da Receita Federal” afirmou Pimenta, usando como exemplo os casos descritos na reportagem.
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